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Phase XIII - Nevada
Nevada é o deserto... e cassinos. Assim que saímos de Utah, onde o jogo é proibido, já começaram os enormes anúncios de cassinos, cada um mais fantástico que outro. A gasolina é mais cara, e também os motéis, mas a comida (por causa dos cassinos) é baratíssima. Paramos em Elko, uma cidade de gado, com enormes cassinos e uma imensa população basca (???). Não me perguntem, foi o que disseram lá.
Fomos jantar num cassino e é impressionante como aquela gente fica embasbacada na frente de um caça-níqueis. A maior parte é de mulheres, meia-idade, que não desgrudam da máquina por um segundo, e não sorriem, não importa se estão ganhando ou perdendo. Em compensação, com os cassinos querem atrair o máximo de clientes, são ótimos para almoçar ou jantar por bem pouco. Um prato com um steak e camarões per 6 dólares, coisas do gênero. E não tem jeito, uma vez que se entra, joga-se. Eu perdi uns dois dólares por casino. Obviamente íamos naquelas máquinas que apostavam cinco cents, e até que uma vez fiquei com doze dólares na mão, para dois dólares apostados. Mas a máquina engole tudo de novo, não sei como. A gente sempre acredita que na próxima mão está o "Jackpot", o grande prêmio. Nem na lavanderia está-se a salvo.
Em Carson City, já era hora de lavar roupas (uma semana é nossa autonomia máxima de camisetas) e como o Roberto estava trabalhando, era minha vez. Na laundromat, lá estavam elas, as máquinas caça-níqueis. Eu troquei uma nota de cinco por moedas, coloquei a roupa na máquina e fui dar um volta. "Um volta" é um conceito que não existe nestes malls: não tem nada por perto, nada que você possa visitar a pé. Voltei para a lavanderia, aquele monte de moedas na mão e nada para fazer. TODOS, sem exceção, que estavam na lavanderia jogavam em um momento ou outro. Não resisti e quase fiquei sem moedas para a secadora... O que me salvou foi o princípio: me recusei a trocar mais dinheiro para jogar. Lembrem-se que Las Vegas fica no Nevada, e Reno (que nós visitamos) disputa com Las Vegas a maior concentração de luzes e néon. Roberto disse que Las Vegas é muito pior, mas é inacreditável. Ah, encontramos com Elvis Presley. Está vivo, bem, obrigada, e canta em um cassino em Reno, fingindo que é um sósia dele mesmo.
Mas não deixem que os cassinos distraiam vocês dos maiores baratos do Nevada: o deserto e as minas de ouro e prata. O deserto é inacreditável, se estendendo por quilômetros e quilômetros, até chegar às montanhas. Não é um deserto de cactus, mas de touceiras de um capim duro, e o sagebrush, uma arvorezinha teimosa, que insiste em crescer em climas improváveis. O céu, sem nada para distrair a atenção, é de um azul ofuscante, com as montanhas sempre nuas (já com um pouco de neve em setembro) ao fundo. O.k., eu me apaixonei pelo deserto. Principalmente se pensamos que o Nevada era parte da rota para a Califórnia, para os pioneiros do século passado. Na Interstate 80, estávamos passando mais ou menos pela mesma rota que milhares de pioneiros que iam tentar nova vida na costa oeste. Só que a viagem deles, do Missouri até a Califórnia, durava seis meses. É interessante ver a mesma paisagem que eles viram 100 anos atrás e imaginar-lhes os sonhos, os medos, as esperanças.
Nosso interesse por estes pioneiros aumentou em Elko, quando, visitando um museu, fiquei sabendo da história do Donner Party. O Donner Party era um grupo de 80 imigrantes que viajaram do Illinois para a Califórnia. Ao invés de seguirem o caminho normal, via Fort Hall (o lugar em Idaho onde tem aquele restaurante mexicano e a reserva Shoshone, lembram?), tentaram um atalho aconselhado por um guia, o Hasting's short-cut, através do Salt Lake Desert (80 milhas de puro sal, nada cresce) e o todo o deserto do Nevada.
Como resultado, se atrasaram na rota e pegaram o mais terrível inverno em cem anos (isto era 1846-47) no alto da Serra Nevada. Ficaram encurralados na serra, com vários metros de neve e quase nenhuma comida. Depois de várias tentativas de escapar, um grupo de 15 decidiu cruzar as montanhas a pé. Fizerem 100 milhas em um mês, se alimentando de uma rena caçada no caminho e dos corpos dos companheiros mortos (dos quinze, só 7 chegaram no Fort Sutter, na Califórnia). Depois disso, três ou quatro expedições foram organizadas para salvar os imigrantes ainda encurralados, sempre com risco para as equipes de resgate. Eles chegaram nas montanhas em outubro: o último pioneiro foi resgatado em abril.
O fascínio da história, no entanto, não está tanto em seus detalhes terríveis. Acontece que vários dos pioneiros, adultos e crianças, escreveram diários, que hoje são públicos e mantidos em museus. Então podíamos acompanhar passo a passo, dia a dia, o que acontecia, quais eram as decisões tomadas, o que eles esperavam, o que temiam. O que para nós é a beleza do deserto, para eles era uma longa provação, ausência de caça e medo.
Deve-se dizer que o deserto só é deserto para quem não sabe o que procurar. Os índios na região sobreviviam bastante bem, sabendo como caçar renas e coelhos, pássaros e calangos. Mas não se pode esperar isso de um grupo de fazendeiros do Illinois, que faziam talvez a primeira e única viagem da vida.
Outra coisa legal do Nevada são as antigas cidades mineiras. As minas, descobertas na segunda metade do século passado, são responsáveis por um boom urbano no oeste do Nevada, na Sierra. Estas cidades, na sua maioria, são hoje cidades fantasma. Mas algumas permanecem, vivendo do turismo. Uma delas é Virginia City, próxima a Carson City. Foi ali que Mark Twain usou este pseudônimo pela primeira vez, quando trabalhava como jornalista para um jornal local. As minas corriam em intrincados labirintos dentro das montanhas, por milhas e milhas. E as cidades ajudavam a gastar o ouro e prata na superfície. Virginia City tinha 100 saloons para 12.000 habitantes, em 1890. Mansões riquíssimas, moda européia, ostras frescas todos os dias, uma história parecida com o boom da borracha em Manaus, acho, com a diferença que às vezes acontecia por aqui de um velho mineiro enriquecer de um dia para outro. E de repente, tudo acabou.
Ficamos quatro dias no Nevada: dois dias para cruzar o deserto e dois dias em Carson City para que o Roberto pudesse trabalhar direito (há limites para esta história de dirigir todo o dia e trabalhar toda a noite). Saímos do Nevada, visitando o Lago Tahoe, que é, para variar, lindo. Um lago enorme, entre as montanhas, de água puríssima (97% de pureza da água, comparado com 100% que é água destilada). Diz a história que o lago foi criado por um índio, que estava sendo perseguido por um mau espírito. O Bom Espírito, com pena, deu para o índio um ramo de árvore cheio de folhas: cada vez que ele deixasse cair uma folha no chão, seria criado um lago, e o mau espírito teria que contornar este lago. Só que o índio, meio estabanado (tanso, mesmo), se atrapalhou todo e deixou cair todas as folhas de uma vez. E criou o lago Tahoe.
A parte sul é bem turistica - cheia de cassinos, na verdade. Até o último centímetro da linha divisória do Estado de Nevada tem cassinos.
Depois: CHEGAMOS NA CALIFÓRNIA!!! |
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